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sexta-feira, abril 26, 2013

Aviso - não é um post bem disposto

O meu primeiro contacto com a morte foi durante a escola primária. Num espaço de pouco mais de uma semana, dois meninos da escola morreram atropelados. A escola ficava mesmo ao lado da igreja, e as professoras resolveram levar todos os meninos a ver o corpo de um deles na capela mortuária. Não sei se tinha sete ou oito anos, mas lembro-me perfeitamente da fila indiana de crianças para entrar na morgue e passar junto ao caixão.
Não sei porque fizeram aquilo. Acho que se fosse hoje, havia processos disciplinares e protestos de pais e professores suspensos. Mas há trinta anos ninguém questionava o que os professores faziam. Pelo menos ninguém questionava a minha professora.
Lembro-me de ficar com o cheiro das flores e das velas entranhado nas narinas e de durante muitos anos, não o suportar. Qualquer cheiro a cravos me agoniava.
Quando tinha nove ou dez anos,  passava parte das férias com a minha bisavó no Alentejo,e  ir ao cemitério fazia parte da rotina. O meu bisavô falecera pouco tempo antes, e a cada dois dias lá ía a minha avó, lavar  a campa, por flores na jarra, choramingar. Nunca me fizeram impressão os cemitérios, nunca tive medo, nem arrepios na espinha. Lembro-me de olhar para as pedras com as datas de nascimento e da morte, e fazer as contas. Xi, coitada, esta morreu tão nova, olha aquele, tinha quase cem anos. Havia apenas duas zonas que me faziam mais impressão. As que tinham campas a falar da homenagem da Junta de Freguesia, que significava que ninguém lhes tinha feito um funeral, e a zona das crianças, aquelas campas pequeninas, a ensinar-me desde cedo que não há idade.
Hoje fui ao cemitério. Desde que a minha avó morreu, que vou regularmente ao cemitério. Pode ser estúpido, é estúpido concerteza, ela estará em todos os lados menos ali. Mas sentar-me na campa, mudar a água à sua jarra, colocar-lhe flores frescas enquanto vou conversando com ela, faz-me sentir algum conforto, faz-me sentir outra vez perto dela.
A minha forma de olhar à volta mantém-se. Continuo a fazer contas à idade com que as pessoas morreram.
A minha avó está rodeada de pessoas muito novas. Logo atrás, mesmo coladinha, está um menino, que morreu antes de fazer dez anos. Ao lado, uma rapariga que morreu pouco mais velha que eu, e do outro lado, um rapaz que não tinha trinta anos.
O cemitério é o único sítio onde sinto que posso chorar a morte da minha avó sem que ninguém pense que já estou a exagerar. Afinal tinha oitenta anos, afinal estava a sofrer, afinal foi o melhor. Afinal já sabemos que todos temos de morrer.
Chorar pessoas que morrem velhas é difícil. Aparentemente o facto de, de alguma forma, já estarmos a contar com isso, deveria ser meio caminho andado para superarmos e não nos prendermos.
No cemitério há sempre muitas pessoas a chorar, portanto sinto-me à vontade para me sentar ali, na campa da minha avó, e chorar, chorar, chorar. Ninguém olha, cada um tem a sua dor.
Gosto de imaginar que a minha avó do outro lado tem super poderes.  Por isso peço-lhe que olhe por nós, peço-lhe protecção, às vezes um sinal de que está bem. Falo-lhe das migalhas, das coisas que me preocupam, digo-lhe que gosto dela e que espero que esteja em paz. Mesmo que eu não a deixe em paz.
Não sei durante quanto tempo o vou fazer, estas visitas, sempre sozinha e quase clandestinas.  Mas por enquanto preciso de o fazer.
E pronto. Deve ser desta que a minha meia dúzia de visitantes e os meus três seguidores desaparecem.





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